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Psicanálise, educação e infância: diálogo possível?

No âmbito da educação infantil, instituição de atendimento à criança, sujeito em constituição, faz sentido pensarmos nas contribuições que a psicanálise pode oferecer à educação. Sobretudo se nos referirmos à escuta desta criança-sujeito pelos profissionais que se responsabilizam pelo seu cuidar e educar.

Ao escutar a criança, o profissional escuta a si mesmo, ou seja, ele se defronta com seus próprios conteúdos recalcados, com o latente e o manifesto. Na relação com a criança, o educador projeta nela os desejos que não pôde realizar por sua própria conta: que ela possa ser mais bem-sucedida na vida, que possa ser mais livre, que conquiste aquilo que faltou (ao adulto) etc. Da mesma forma, transmite-se à criança algo de sua própria maneira de ser e de fazer, os valores que foram recebidos e assim são passados à geração futura. Penso que a psicanálise pode ajudar neste ponto, ao clarificar essas projeções, bem como elucidar os mecanismos de idealização da relação professor-criança, que muitas vezes explicam os conflitos entre os pais e os profissionais, uns e outros não suportando nenhuma falha que venha a abalar a imagem idealizada (narcisismo) que eles possam ter de si mesmos, seja como pais, seja como professores.

Em se tratando da educação infantil, especificamente, e indo além do que foi dito acima, penso que a psicanálise tem muito a dizer. Primeiramente, dizer sobre a separação da criança dos pais: paradoxalmente, a condição para que uma criança adquira autonomia e concorde em separar-se de seus pais, mesmo que, inicialmente, vivencie um processo de angústia, é justamente não deixá-la só. É preciso, primeiro, que ela possa fazer a experiência da separação subjetiva, e isso só se dá através da relação com os outros.

Em paralelo, a presença da psicanálise na educação infantil pode dizer sobre a escuta  às crianças: concebidos como sujeitos estruturados na e pela linguagem, cujas formas de brincar e se relacionar com o mundo devem ser observadas e ressignificadas. É preciso falar-lhes enquanto sujeitos que se estruturam e isto, portanto, exige que os afetos e palavras circulem nesses espaços (creches e pré-escolas) mais livremente.

Há que se considerar ainda a educação infantil como um processo mais amplo e que inclui o cuidar na sua acepção também mais vasta, que extrapola os cuidados meramente físicos e de higiene (pressupostos de uma visão assistencialista), como aspecto fundamental da relação transferencial adulto-criança.

É no campo da educação infantil que o aspecto preventivo se faz mais evidente. A partir dos estudos desenvolvidos a respeito da importância decisiva dos primeiros anos de vida para a constituição do sujeito psíquico, sobretudo a partir das descobertas freudianas, faz-se mister organizar as instituições da infância de forma a receber as crianças na sua mais tenra idade, de tal maneira a assegurar-lhes o máximo possível uma base saudável e segura, o que, indiscutivelmente, deve abranger a formação destes profissionais de forma a que estejam preparados para lidar com as crianças, o que inclui conhecimentos acerca da sua estruturação psíquica como sujeitos e do brincar, linguagem singular e fundante desta faixa etária.

Penso que um dos modos de presença da psicanálise na educação infantil nos vem pelos conhecimentos que adquirimos sobre os bebês e as crianças pequenas, sobre o desenvolvimento em seus aspectos psicoafetivos, sobre a estruturação de um sujeito desejante, sobre a importância decisiva da qualidade das relações transferenciais que se estabelecem entre a criança e os adultos significativos, também chamados de outros primordiais, que dela cuidam, se ocupam e com ela interagem.

Essa presença da psicanálise pode ser objetivada nos procedimentos adotados na instituição, no modo de organização dos grupos e rotinas (tempos e espaços), na importância dada ao brincar, na seleção e formação da equipe de profissionais, na forma de abordar a relação com as famílias etc.

Nas instituições de educação infantil, é importante lembrar que estamos sempre lidando com a questão fundamental da experiência da separação e com a conquista progressiva da autonomia, a partir de uma posição inicial de dependência absoluta do bebê em relação à sua mãe ou substituta, pessoa que realiza a maternagem.

Por outro lado, a psicanálise tem nos ensinado o quanto há de fundante no brincar, não somente como atividade central da infância, mas, sobretudo, como atividade indispensável para a constituição de um sujeito desejante. Essa descoberta singular deveria por si só revolucionar a prática educativa, já que muitas vezes a ênfase colocada na aprendizagem limita excessivamente o brincar livre das crianças, quando, na verdade, o que se deveria viabilizar nas instituições de educação infantil são tempos e espaços planejados para as atividades lúdicas infantis, inclusive o brincar livre, sem enredos prévios e determinantes, que enclausuram o sentir e o pensar criativo das crianças.

** Daniela Radel é Doutora e mestre em educação, psicopedagoga e psicanalista.